O aviso surge logo no genérico: o colorido almodovariano dá lugar a fotogramas sombrios. Sabemos imediatamente que algo mudou.
Abraços Desfeitos continua a ser Almodóvar, se bem que menos loud que os anteriores. É mais sombrio, talvez devido à fotofobia que o atira para um quarto ausente de qualquer nesga de luz. É a única forma de aliviar as fortes dores de cabeça.
Almodóvar e Harry Caine (Lluís Homar) partilham assim a escuridão em que são forçados a viver, o cinema como criação e uma actriz (Penélope Cruz) que lhes desperta um desejo carnal, que nunca antes sentiram.
Abraços Desfeitos pode ser considerado um biopic almodovariano, com algumas pequenas alterações. É a história de amor que vive com Penélope, a sua actriz fetiche. Lembre-se que há pouquíssimo Almodóvar disse que ele e a actriz funcionavam como um casal que não faz sexo.
Diferente dos últimos, mas indispensável. Era preciso haver uma catarse. Era preciso parar e não dizer "este é o melhor filme do Almodóvar". Tem sido assim desde Hable con ella. A crítica não gostou. Acusam-no de ser "Almodóvar a fazer Almodóvar". Pergunto: não é isto que esperamos quando vemos um filme daquele que é o melhor cineasta espanhol desde Buñuel?
É exactamente o que procuro. E aqui temos Almodóvar em dose dupla: no filme e no filme dentro do filme. Continuamos a ter tiradas de génio. Algumas já me tinham sido contadas pelo Almodóvar em pessoa. Se em diálogo já as achava bestiais, a concretização soube ainda melhor. Continuamos a ter relações deviantes e rocambolescas. Não fazia sentido de outra maneira.
Abraços Desfeitos é um filme sombrio (mas menos dramático que um Má Educação) e fiel ao seu mestre. Sim, temos Almodóvar a fazer Almodóvar. Sim, temos os gays, os amigos coloridos e os amantes que se transformam em amores eternos. Sim, temos um sofá vermelho, um telefone vermelho e um gaspacho com soporíferos. Já vimos isto em algum lado? Já! Mas de outra forma não seria Almodóvar.
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